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OLHARES SOBRE O POLIAMOR E A ABORDAGEM DA PSICOLOGIA CORPORAL

  • Foto do escritor: Thais Garcia
    Thais Garcia
  • 24 de jun. de 2019
  • 14 min de leitura

Historicamente o conceito de amor e de relacionamento se construiu com base na relação romântica. No contexto cultural da sociedade ocidental, o amor deve ser vivido de acordo com regras e normas determinadas socialmente a partir de conceitos monogâmicos.


Nas últimas décadas o poliamor surgiu como uma contracorrente aos padrões sociais estabelecidos. Termo originado do grego (poli = muitos ou vários, e do latim = amor), poliamor é a prática de se relacionar com mais de uma pessoa intimamente, com o consentimento de todos os envolvidos.


Nesses relacionamentos os parceiros concordam com uma forma de não-monogamia, e, então, se relacionar com mais pessoas ao mesmo tempo não é considerado traição ou infidelidade.


No poliamor os arranjos entre parceiros podem ser “abertos” e “fechados”. Os parceiros decidem, por meio de muito diálogo, como será o relacionamento, deixando claro o que é confortável ou seguro para cada um. No caso de relacionamentos abertos, existe a possibilidade de novos amores e, nos fechados, é praticado a “polifidelidade”, restringindo as experiências amorosas entre os indivíduos do mesmo grupo.  


O movimento defende a possibilidade de envolvimentos com mais honestidade, transparência, baseados em diálogos francos, seguindo regras próprias. Cada grupo estabelece contratos e acordos dentro da relação. No poliamor, o mais importante não é com quem o parceiro tem relação e, sim, a conexão através dos laços afetivos e de honestidade. A ideia é de não privar o outro de possíveis “vontades” que possam ser despertadas.


Os adeptos defendem que a estabilidade das relações não está vinculada a ideia de ter parceiros exclusivos. O desejo de “posse” ou “domínio” sobre o outro não é possível.  Assim, o parceiro não se sente obrigado ou responsável pela total felicidade do outro. A relação se sobressai por ser menos propensa ao ciúme, à competição, ao controle, à posse ou a mentira. O poliamor busca romper a ideia de propriedade e de exclusividade. No poliamor, o ideário é que o eu não “tenha” o outro, mas, “esteja com” o outro.


"A filosofia adotada no poliamor considera que amar uma única pessoa pelo resto da vida é algo inconcebível, que o amor não deve excluir o mundo ou as pessoas. Desse modo, os indivíduos podem amar e ser amados por mais de uma pessoa simultaneamente; esta é a lógica que esta ideologia procura defender. Contudo, para que essa forma de relacionamento seja possível, seus adeptos tendem a cultivar princípios que são norteadores para tal prática. Dois princípios se destacam: honestidade e consenso". (FREIRE, 2013, p. 43).


Tendo isso, poderíamos, então, questionar: seriam, essas relações mais maduras e saudáveis, inclinadas ao sucesso em termos de satisfação e durabilidade?

Por sua singularidade e quebra de paradigma, essa forma de se relacionar abre margem para muitos debates no âmbito cultural e, também, jurídico. A desconstrução da entidade familiar, da forma que conhecemos, gera uma polêmica discussão que leva em consideração muitas variáveis: afinidades, crenças, conceitos, religião, sentimentos, emoções, sexualidade, desejos, entre outras.


É interessante observar que, na modernidade, o que se discute não é a extinção do amor e das relações e, sim, uma readequação dos valores que os permeiam.

Relacionar-se é um processo natural e necessário ao ser humano, uma vez que este necessita dar e receber afeto. A troca e a companhia são elementos indispensáveis desde o momento em que a pessoa nasce e é separada da mãe, com o rompimento do cordão umbilical.


Para o sociólogo Bauman (2004, p.9) “relacionamento é o assunto mais quente do momento e aparentemente o único jogo que vale a pena, apesar de seus óbvios riscos”. Porém, segundo ele, o mundo contemporâneo trouxe afetos individualistas e efêmeros, onde os padrões de amor teriam sido rebaixados.


Bauman fala da era moderna e do amor líquido. As relações humanas estariam cada vez mais flexíveis, gerando níveis aumentados de insegurança. Na era onde tudo é rápido e virtual, os aplicativos e redes sociais teriam mudado a forma das pessoas se relacionarem. Para se conectar e se desconectar de alguém basta um clique.


Em suas pesquisas, Bauman percebe que o grande agrado dos aplicativos de encontros está na facilidade de esquecer o outro e de se “desconectar”. Desta forma, todos podem trocar seus parceiros por outros “melhores” com muita facilidade. Com a liquidez dos relacionamentos e a extrema descartabilidade, a afinidade se torna algo pouco comum e o laços menos profundos. Com a infinidade de opções disponíveis a um toque da tela, conhecer o outro com maior profundidade seria adentrar um campo arriscado demais, onde os defeitos estariam colocados à prova.

Não é de se estranhar que na era da velocidade e da informação, onde as possibilidades são inúmeras e tudo está disponível com facilidade, o poliamor ganhe notoriedade.


Assim como na rede de relacionamentos virtuais, no poliamor os envolvidos estão abertos para conhecer e se relacionar com diversas pessoas ao mesmo tempo. E, dentro desta perspectiva, levantamos algumas questões: o poliamor seria uma forma mais madura, evoluída e saudável de se relacionar, ou apenas estaria seguindo o fluxo das relações modernas? Relacionar-se com mais de um, seria fugir de um relacionamento mais profundo com uma só pessoa? E se, nos dias de hoje, estivermos com nossa disponibilidade de entrega ameaçada?


De fato, abrir o coração para amar profundamente outra pessoa com seus defeitos e qualidades, requer também destemor. Estaríamos abdicando da vontade e da coragem de se “aprofundar” no mar do outro, para beirar sua rasa superfície?

Osho, guru indiano líder do movimento Rajneesh nos anos 80/90, no livro Amor, Liberdade e Solidão, defende a veracidade da vontade do “eu” dentro da relação amorosa, não importando se o envolvimento é com um, dois ou mais parceiros. “Quer seja um só ou muitos parceiros, essa não é a questão. O importante é ser verdadeiro no amor. Se você vive com uma mulher ou com um homem e não os ama, então vive em pecado” (OSHO, 2009, p. 73). Para ele, o grande conflito da sociedade, tanto ocidental quanto oriental, são os padrões culturais e a relação por bem-estar social, conveniência ou formalidade.


"O amor sofre dos dois modos: no Oriente, as pessoas juntam-se por segurança, conforto, formalismo; no Ocidente, elas agarram-se à liberdade do seu ego, ao não compromisso. Mas o amor sofre de ambas as formas. No Oriente é morto porque as pessoas têm medo de mudar. No Ocidente é morto porque as pessoas têm medo de permanecer com um só parceiro demasiado tempo - medo que se torne um compromisso. Antes que se torne um compromisso, mudam, assim continuam autônomas e livres" (OSHO, 2009, p. 73).


Osho defende a fidelidade ao próprio sentimento pelo outro. Se a pessoa se mantiver fiel ao amor, manter-se com uma pessoa seria “a mais belas das coisas”, possibilitando o crescimento da intimidade.


"Se a pessoa ama alguém e vive toda a sua vida com ele ou ela, uma grande intimidade crescerá e o amor terá revelações cada vez maiores a fazer-lhe. O que não é possível se você mudar continuamente de parceiro. É como se você estivesse a mudar uma árvore de um sítio para outro e outro; então as suas raízes não crescem em lado nenhum. Para as raízes se desenvolverem, a árvore precisa de se manter num lugar. Então torna-se mais profunda, então torna-se mais forte" (OSHO, 2009, p. 74).


Alexander Lowen (1986) aborda o medo da entrega ao outro e ao amor. Em sua teoria, Lowen define a neurose dos indivíduos como um “medo da vida”. A pessoa reprime seus impulsos e sentimentos porque amedronta-se. Este mecanismo de supressão, ao longo da vida, desenvolve tensões musculares crônicas, que bloqueiam os movimentos voluntários que iriam expressar os sentimentos.


Wilhelm Reich (1989) explica que as castrações, as frustrações e os momentos de stress ocorridos desde as fases iniciais de vida dos indivíduos ocasionam bloqueios energéticos, chamados, também, de couraças musculares, o que dá origem ao caráter neurótico.


Tratando fisiologicamente o assunto, os estados emocionais de excitação são percebidos pelo corpo. Quando são positivos, há maior fluxo de sangue para a superfície: pele, olhos, zonas erógenas. Quando são negativos, o sangue se distancia e diminui a carga na superfície. A respiração também fica mais contida e o corpo se contrai.


"A excitação positiva ocorre quando a situação é de prazer. O corpo se encontra em expansão, e a carga, ou excitação, na superfície é forte. A excitação negativa acontece em situações de medo e raiva. Nestas, o corpo está em contração e a carga reflui para longe da superfície. A respiração nos dois estados também é diferente. No prazer, é profunda, fácil e relativamente lenta. Jamais dá trabalho, pois uma respiração difícil é sinal de incômodo. Já quando a pessoa está assustada ou sentindo dor, sua respiração é rasa, forçada” (LOWEN, 1990, p. 19)


Portanto, é a repetição ou a intensidade das contrações que criam as couraças musculares do neurótico, como resultado do grande medo interno que o paralisa diante de emoções profundas. Por isso Lowen considera que “os imprintings de frustrações da infância tornam-se o caráter do adulto”. Desta forma, o indivíduo do nosso tempo estaria encouraçado e preso no emaranhamento dos padrões culturais. E, neste contexto, a sexualidade, como sendo uma expressão emocional do ser, também estaria prejudicada. A entrega para o amor e para o sexo estaria limitada.

Acreditamos que é ruim ou perigoso sermos levados de roldão por nossas emoções. Admiramos a pessoa fria, capaz de agir sem sentimentos. A ênfase de nossa cultura recai sobre o fazer, sobre o atingir resultados. O indivíduo de nosso tempo está comprometido com seu sucesso, não em ser uma pessoa. Justificadamente, pertence à "geração da ação" cujo lema é: faça mais, sinta menos. Esta atitude caracteriza grande parte da moderna sexualidade: mais atuação, menos paixão (LOWEN, 1986, p. 12).

Lowen (1990) vai além e traz as doenças causadas pelo “coração partido”. Quando, na infância, o indivíduo tem experiências de amor restrito, cria couraças como um escudo de proteção contra os mesmos sentimentos.


"Com todas as dores, o coração partido faz com que sangue reflua da superfície do corpo para o centro, sobrecarregando o coração e produzindo a sensação de peso e desamparo. A experiência de ter seu coração partido pode fazer com que a criança, ao se tornar adulta, tenha medo de amar. Isso não quer dizer que não possa, ou não venha a amar, mas este impulso de buscar o contato será hesitante, tentativo, não restrito. O desejo de amar poderá até estar em seu coração e, conscientemente, a pessoa pode querer amar, mas se a memória da dor estiver viva em seu inconsciente, o medo a impedirá de entregar-se. Seu corpo está sob o controle do sistema nervoso simpático" (LOWEN, 1990, p. 21).


Deste modo, o neurótico tem medo de “ser”, pois ir em busca de suas satisfações emocionais é também acessar e encarar as dores e frustrações de sua infância e reviver a memória do “coração partido”.


Federico Navarro (1996) traz a importância da maternagem nos primeiros anos de vida para a segurança afetiva e o desenvolvimento sadio do indivíduo. A amamentação e o desmame têm intensa e profunda ressonância afetiva entre mãe e bebê . “O desmame deveria ser considerado o momento mais delicado, para colocar o recém nascido em condições de abandonar a condição simbiótica, de separar-se gradualmente do campo materno para chegar ao campo familiar, passando da motilidade à mobilidade muscular intencional” (NAVARRO,1996, p. 45). Como a real eficiência da transição é pouco provável, para Navarro cerca de 45% da população apresenta transtornos vindos desta fase, caracterizando-se indivíduos com traço oral (borderline) de caráter.


O indivíduo borderline é reativo a condições existenciais de perda e separação afetiva devido ao vínculo de dependência não resolvido da infância. “É como a pessoa que ainda tem fome, mesmo depois da refeição. Obviamente, a refeição não foi suficiente” (REICH, 1977, P.171).


Clinicamente, o oral é caracterizado por ter sentimentos de abandono, insatisfação, tristeza, vazio interior e desamparo. “Evidencia-se que a condição borderline está ligada a fixação do indivíduo que não pôde realizar a “separação” para chegar à autonomia neuromuscular e, portanto, permanece psicologicamente como personalidade dependente” (NAVARRO,1996, p. 49). Indivíduos deste tipo necessitam da aceitação e buscam ser amados e amparados pelo mundo. Acreditam ter sido despojado ao seu direito ao berço e gastarão a vida tentando recuperar a herança.

Desenvolve-se o caráter oral quando a necessidade de ter a mãe é reprimida antes que as necessidades orais sejam satisfeitas. Esta situação provoca um conflito inconsciente entre a necessidade, de um lado, e o medo do desapontamento, do outro (LOWEN, 1977, P.171).


James Morrison (1993) descreve o indivíduo borderline como aqueles que mantém um padrão de instabilidade ao longo da vida adulta.


"Eles frequentemente parecem estar numa crise de humor, comportamento, ou relacionamentos interpessoais. Muitos sentem vazio e tédio; eles se ligam facilmente a outros, tornando-se então intensamente raivosos ou hostis quando acreditam que estão sendo ignorados ou maltratados por aqueles de quem dependem. [...] Mudanças rápidas e intensas de humor, impulsividade, e relacionamentos instáveis interpessoais tornam difícil para os pacientes borderlines alcançar seu potencial socialmente, no trabalho ou na escola” (JAMES MORRISON, 1993, p. 478).


"Desta forma, acredita-se que indivíduos com este traço possuem um profundo sentimento de que foi ou será abandonado e que experimentará a solidão aguda. “Os sentimentos predominantes serão de terror de solidão, vazio interior, fome, frio e aniquilação. O medo de abandono fomenta os sentimentos de ódio e o indivíduo borderline usará os outros tanto para se reassegurar de que é digno de amor quanto para obter algum grau de autoestima. […] ele se torna um adicto de reasseguramento, procurando uma afeição firme para ajudá-lo a manter sua autoestima” (FRÉCHETTE, 2018, p. 132).


Fréchette considera que o borderline tentará evitar o pânico da solidão através de atuações que o conduzirão ao abuso, situações promíscuas ou qualquer outra atitude que provoque o contato com outras pessoas. “Consequentemente, muitos borderlines desertam seus corpos para emigrar para suas cabeças, ou ainda, eles tentaram dominar seus corpos através de diferentes tipos de proezas. (FRÉCHETTE, 2018, p 130.).


Navarro (1991) relaciona os componentes psicológicos como desencadeadores, também, de doenças patológicas sistêmicas ou degenerativas. Traz o medo como base de cada doença, sendo elemento determinante ou desencadeante. O principal conflito afetivo do neurótico está relacionado com a separação. O indivíduo apresenta medo da rejeição, do abandono, da solidão ou de uma decepção.


Como exemplo, temos o aspecto hipocondríaco como característico da neurose cardíaca: um pequeno incidente relativo à saúde desencadeia a depressão, que é acompanhada por uma enorme necessidade de contato.


Em suma, o coração anseia por amor, mas a entrega física que ele exige é por demais assustadora. Ceder ao profundo desejo de amar é, também, estar vulnerável a rejeição e ao abandono, medos dominantes no caráter oral. Para se proteger contra a mágoa e a frustração, o poder de controle cria uma tensão e enrijece os músculos do peito, protegendo o coração. Essa couraça isola o indivíduo do mundo e reduz a intensidade das interações.


O mesmo acontece com o segmento pélvico, zona de íntimo contato sexual. Porém, “diferente da tensão no peito, a tensão na pelve não tem relação direta com o medo do abandono, mas sim com os traumas vinculados às primeiras sensações sexuais da criança” (LOWEN, 1990, p. 47).


As tensões que paralisam a pelve têm relação direta com a capacidade orgástica dos indivíduos. Levam, por exemplo, o homem a gozar rápido demais, e a mulher devagar demais, o que impede que aconteça a fusão amorosa e o orgasmo simultâneo.  

Todas essas tensões têm como objetivo específico reduzir a sensibilidade sexual, mas não necessariamente reduzem a excitação nos genitais que é apenas uma parte da resposta sexual das pessoas.Como consequência disso, o ato sexual se torna um ato para aliviar tensão e não uma manifestação do amor. (LOWEN, 1990, p. 47)


Reich, em seus estudos sobre a função do orgasmo, considerou que uma pessoa sexualmente satisfeita não poderia ser neurótica. Dado que o orgasmo teria a função de descarregar o excesso de energia que mantém o sintoma neurótico. Em tese, a potência orgástica seria a solução da neurose.


Toda pessoa neurótica apresenta algum distúrbio em sua resposta orgástica, não tendo condições de entregar-se por inteiro às agradáveis e involuntárias convulsões do orgasmo. Essa pessoa estaria com o medo da sensação avassaladora do orgasmo total (LOWEN, 1986, p. 15).


Aqui observa-se o conceito literal da potência orgástica descrito por Reich:

Potência orgástica é a capacidade de abandonar-se, livre de quaisquer inibições, ao fluxo da energia biológica; a capacidade de descarregar completamente a excitação sexual reprimida, por meio de involuntárias e agradáveis convulsões no corpo. Nem um único neurótico é orgasticamente potente e as estruturas de caráter da esmagadora maioria dos homens e mulheres são neuróticas. No ato sexual livre de angústia, de desprazer e de fantasias, a intensidade de prazer no orgasmo depende da quantidade de tensão sexual concentrada nos genitais. Quanto mais abrupta é a "queda da excitação, tanto mais intenso é o prazer (REICH, 1975, p.55 ).


Para ele a convulsão bioenergética involuntária do organismo e a completa solução da excitação são as características mais importantes da potência orgástica. Porém, a experiência clínica mostra que, como resultado da repressão sexual universal, homens e mulheres perdem a capacidade de experimentar a entrega involuntária.

Em estudos com pacientes, Reich concluiu que todos teriam perturbações na função genital. Descreveu a função genital como “seriamente perturbada”. E acrescentou que “os mais perturbados de todos eram os homens que gostavam de alardear e exibir sua masculinidade. Homens que possuíam tantas mulheres fosse possível, e que podiam fazê-lo muitas vezes em uma noite”. Evidenciou também que, embora esses homens fossem “eretivamente potentes”, experimentavam um prazer muito pequeno no momento da ejaculação.


Tanto Reich como Lowen concordam que a personalidade encouraçada de um indivíduo é, também, a manifestação de suas vivências sexuais. “O comportamento sexual de uma pessoa reflete sua personalidade, da mesma forma como a personalidade de uma pessoa é a manifestação de suas vivências sexuais”.

Levando em consideração os conceitos expostos, em uma sociedade formada por indivíduos neuróticos - encouraçados e com fraca descarga orgástica -  poderíamos levantar a hipótese de que o poliamor surge como uma alternativa encontrada para a autoproteção. Ao se relacionar com mais de uma pessoa ao mesmo tempo, o perigo do abandono e da decepção se torna menor, uma vez que, caso algum parceiro saia da relação, os demais ainda têm uns aos outros. A entrega mais profunda a uma única pessoa seria substituída por uma entrega parcial, um pouco a cada parceiro, mantendo uma sensação de maior liberdade emocional e menos profundidade. Devido ao medo, os poliamoristas fogem dos extremos, tanto do sexo casual sem vínculo amoroso, quanto de uma monogamia exclusivista. De um lado encontra-se o desejo de amor e, de outro, os medos que paralisam.


Os poliamoristas são adeptos às relações e ao amor, porém mantém seu coração e suas emoções sob controle. Dentro de regras e acordos criados pelos parceiros, o que prevalece é a razão e a liberdade dos envolvidos. Dentro das inúmeras formas de amar, talvez esta seja uma saída encontrada para manter o coração protegido.

Vale ressaltar que a teoria leva em consideração um contexto geral. Para uma conclusão mais precisa, seria necessário realizar estudos de caso e uma análise de cada indivíduo em específico, levando em consideração suas questões emocionais e psicológicas.  Apenas tratando caso a caso é que poderíamos ter maior precisão sobre as reais motivações e os aspectos emocionais envolvidos nas relações.

De todo modo, é indiscutível que para ser bem-sucedido no poliamor é necessário um talento para relacionamentos íntimos e um maior nível de autoconsciência e habilidades interpessoais do que requer a monogamia. Os temas mais polêmicos, como por exemplo o ciúme, são tratados com muito diálogo e transparência para a busca de um entendimento entre as partes.


"Poliamor não é desprovido de ciúmes. Se enganam aqueles que pensam que os poliamoristas são pessoas que não sentem nenhum tipo de ciúme nunca. Pelo contrário, não acreditamos existir pessoa neste mundo que não tenha inseguranças e que não deixe estas inseguranças aparecerem em seus relacionamentos. A diferença é que no poliamor, nós lidamos com esse ciúme de maneira diferente, e a abertura ao diálogo (com mais de uma pessoa inclusive) costuma ser ferramenta bastante presente para amparar as inseguranças daqueles com quem nos relacionamos (ou mesmo as nossas)". (VIDA E POLIAMOR, 2019).


Desta forma, é interessante considerar que o poliamor, em sua estrutura aberta ou fechada, têm algo importante para ensinar aos adeptos das relações tradicionais: a importância dos acordos e dos diálogos para a felicidade dos parceiros.  A maturidade emocional deveria ser o ponto base tanto nos relacionamentos poliamorosos quanto monogâmicos. E, dentro disso, cabe ressaltar o trabalho das terapias corporais para a amadurecer os caracteres dos indivíduos neuróticos.  


A Psicologia Corporal pode contribuir para o desencouraçamento dos segmentos e possibilitar a entrega mais profunda, sem que o indivíduo se perca em si e nas próprias emoções e sentimentos. Elas pretendem amadurecer o caráter do paciente para que este seja capaz de manter sua psicoafetividade sadia. “O reequilíbrio neurovegetativo, acompanhado de análise do caráter, colocam o indivíduo em condições não apenas de compreender, mas principalmente de “sentir” a sua capacidade, ou seja, o seu eu, e o seu “ser no mundo”, como elemento dialético” (NAVARRO, 1996, p. 15).


O objetivo é o de restabelecer a saúde biopsicosocial do sujeito, o fluxo das correntes plasmáticas no corpo em direção à pélvis (capacidade orgástica), a plena pulsação do organismo que possibilita o amor a si mesmo e aos demais, além de dissipar a couraça caracterológica para permitir o aparecimento da identidade singular do sujeito” (VOLPI, 2018).


Assim, os trabalhos corporais podem auxiliar no encontro do paciente consigo mesmo, para que este entre em contato com suas reais ambições e motivações. Independente das suas escolhas para relacionamentos afetivos, ele estará mais enraizado, sendo capaz de agir e reagir ao meio de forma mais livre e com respeito a suas convicções e sentimentos.



Por Thais Schauenberg Garcia e Cristiane Garbini

 
 
 

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